Consciência Negra e a literatura infantil afrocentrada

Conheça três escritores que trabalham ancestralidade, afetividade e afrocentrismo em suas obras

 

No Dia da Consciência Negra (20/11), data que homenageia Zumbi dos Palmares, símbolo da resistência e da luta contra a escravização, o Studio Palma reforça a importância de valorizar a cultura afro-brasileira. Nesse caminho, a literatura, especialmente a literatura infantil, desempenha um papel decisivo na construção de uma autoimagem positiva para as crianças negras e na formação de um imaginário coletivo mais diverso e representativo.

Os autores baianos Marcos Cajé, Gilmara BelmonMárcia Mendes e Regina Luz dedicam suas obras infantis à ancestralidade, à afetividade e ao afrocentrismo, reafirmando a necessidade de cultivar desde cedo o orgulho da identidade afro-brasileira. “O trabalho destes autores reafirma a potência da literatura baiana para as infâncias. Ao criarem narrativas que valorizam identidades negras e rompem estereótipos, eles fortalecem o imaginário das nossas crianças e contribuem para a construção de uma sociedade verdadeiramente antirracista’, comenta Ester Figueiredo, curadora e idealizadora do Studio Palma, responsável pelo agenciamento das escritoras. “Cajé é um talent e um grande parceiro”, emenda.


Gilmara Belmon


Além da literatura antirracista, precisamos  também da literatura afrocentrada , afro afetiva, afro fantástica se quisermos, de fato, contribuir para que nossas crianças construam  uma autoimagem positiva”, destaca a escritora Gilmara Belmon. Pedagoga, contadora de histórias, escritora, Mestra em Educação (UEFS), curadora da Flicar (Feira Literária e Cultural de Amélia Rodrigues), professora universitária e do ensino básico, o primeiro contato com a literatura foi ainda na infância após os primeiros anos de alfabetização mas, assim como a maioria das crianças negras no Brasil, não se sentia representada nas histórias, seja pelos personagens ou por escritores. Durante a adolescência chegou a escrever romances que foram queimados por não acreditar que poderia ser escritora. Somente na idade adulta, há 10 anos, Gilmara passou a se entender como escritora após escrever o prefácio para alguns livros de poesia.

 

O último livro publicado pela mestra, A Magia da Colcha de Retalhos,  é uma escrita sensível das memórias de Amélia, assim como autora é uma contadora de historias, na obra ela relembra com carinho da mãe, uma costureira que é acometida por um problema na visão provocado pelo diabetes. Em determinado momento a protagonista precisa de uma colcha de retalhos e a mãe mesmo com os problemas volta a costurar para entregar a peça a sua filha. É uma obra repleta de afeto e ancestralidade. Gilmara possui dois livros solo publicados, prefaciou 3 livros e participou de 10 obras coletivas, dentre elas Pretinhos e Pretinhas Incríveis, organizado por Marcos Caje.

 

Marcos Caje


Assim como Gilmara, o também pedagogo Marcos Cajé, não encontrava na literatura referências para crianças pretas. 
“O Dia da Consciência Negra é indispensável para nos lembrar de onde viemos. Que viemos da África, berço de grandes reis, rainhas e grandes intelectuais”, afirma o escritor e Mestre em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas (UFRB.


Após a publicação de um livro dedicado ao público adulto, ele  decidiu escrever para as infâncias ao procurar um livro para presentear a filha de uma amiga e não encontrar obras onde a menina negra se sentiria representada. Hoje o escritor possui 20 livros publicados. “Não pode existir uma educação antirracista sem uma literatura antirracista. A literatura é indispensável na construção de uma sociedade antirracista”, destaca o Mestre em História da África da Diáspora e dos Povos Indígenas da UFRB. Após o primeiro livro dedicado às infâncias ele seguiu o trabalho com uma literatura carregada de ancestralidade e afro-fantástica, termo cunhado por ele próprio.


No dia 15 de novembro, Marcos Cajé lançou o livro 
O Mar de Kumi, um livro infantil, sobre Kumi, um menino negro de olhos cor de mel. A narrativa se passa na primeira visita do garoto ao mar de Salvador, apreensivo com a imensidão do mar ele vive uma travessia mágica guiado por uma moça vestida de mar. A obra é sobre medo e coragem, silêncio e escuta. Repleto de ancestralidade e o sagrado, marcas fortes da escrita do pedagogo.  “É através da literatura que a gente vai ver não só dores, vai ver a potencialidade que nós temos nas narrativas mitológicas, filosóficas, nas oralidades transcritas para os contos que vão ser impressos em livros, as fábulas africanas” destaca o escritor.



 

Márcia Mendes


A escritora, curadora da Feira Literária de São Sebastião do Passé (FLIPASSÉ) e Mestra em Ensino com foco em leitura e escrita na perspectiva discursiva, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Márcia Mendes, também compartilha da necessidade de usar a literatura para expor as potencialidades das crianças negras. “Na literatura que eu teço, lanço ao mundo o protagonismo das diferentes infâncias ancoradas em personagens negras (pretas e pardas). Mas o racismo estrutural atravessa as nossas vidas todos os dias. A minha literatura é ‘negro afetiva’. Tecida à baila da amorosidade, do respeito, reconhecimento da própria identidade em casa, da valorização da leitura no contexto escolar e com a família”, destaca a formadora de professores, com base na educação antirracista que idealizou há oito anos o projeto “Um livro para chamar de meu”, com a proposta de doar livros novos para crianças com pouco acesso à literatura.

 

Em suas obras, Márcia conta histórias em cenas cotidianas na família, na escola, entre colegas, abordando uma representatividade que ganha mais vida, sempre acompanhado de ilustrações. Ela acredita que a literatura tem que ser tecida com encantamento, fantasia, poesia e representatividade. Não seria diferente com sua última obra publicada, O vestido de poá de lavandaum livro costurado manualmente, que retrata de forma poética a amizade da agulha e da linha enquanto a mãe da pequena Zola costura um vestido para a jovem Luene celebrar a maioridade. A cada ponto de sua “mainha” as duas refletem sobre tempo e memória.  “A nossa história ainda é marcada por muitos estereótipos e falta de letramento racial. Os avanços dependem muito dessa conscientização”, destaca a escritora.

 

Regina Luz

Para Regina Luz o que a motiva continuar escrevendo é também essa vontade de mudança. “Escrever representa poder, quando escrevo e sei que serei lida, compreendo que posso transformar o mundo,e isso me fortalece na esperança de dias mais honestos para todos e todas”, destaca a escritora e educadora, com seis livros publicados sendo quatro para as infâncias. A ligação com a literatura perparsa pela afetividade, a autora teve o primeiro contato com livros pela contação de histórias da avó, desde a escola já inventava histórias, seu primeiro livro foi publicado aos 18 anos. “Retratar personagens negros significa garantir a representatividade das crianças que têm seus direitos negados”, destaca a educadora.

 

“Tem sido feito um trabalho importante de conscientização em relação aos direitos humanos principalmente para a garantia do respeito à negritude mas, esse trabalho ainda precisa ser fortalecido”, alerta a escritora sobre o dia da Consciência Negra. Se na história de Regina a ancestralidade é ponto chave, sua nova obra não poderia ser diferente. O livro Meu Sonho Cor do Luar retrata a trajetoria de Chica para conhecer sua arvore genealogica, a biblioteca se torna o centro de toda a narrativa. Lá a menina descobre que é descendente da escritora Auta da Souza, poetisa da 2º geração do romantismo e primeira escritora negra do Brasil. A obra pode ser encontrada na livraria LDM.

 

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