Nicho em alta: bares e restaurantes atraem públicos fiéis
Negócios de nicho crescem
no setor ao conectar bares e restaurantes a estilos de vida específicos
O setor de bares e
restaurantes sempre foi um reflexo das transformações sociais. Mais do que
locais para se alimentar, esses espaços representam hábitos, estilos de vida e
modos de convivência. Nos últimos anos, um movimento tem chamado a atenção: o
crescimento de estabelecimentos que não buscam agradar a todos indistintamente,
mas que apostam em nicho, criando experiências que se conectam de maneira
direta com grupos de clientes. Ciclistas, corredores, veganos, amantes de pets,
gamers. Cada vez mais surgem bares e restaurantes que entendem a importância de
falar a língua desses públicos.
As vendas no setor de
bares e restaurantes cresceram 0,4% em julho, segundo dados do Índice
Abrasel-Stone, relatório mensal divulgado pela Stone em parceria com a Abrasel.
Já com relação ao mesmo período do ano anterior, as vendas reportaram queda de
0,9%. O cenário reforça que, em um mercado competitivo e desafiador,
estratégias que diferenciam os negócios, como a aposta em nichos, podem ser
decisivas para atrair clientes e garantir fidelização.
Um dos exemplos mais
emblemáticos dessa tendência é o D Running Bar, inaugurado em 2025 em São
Paulo. A ideia partiu da Dobro, uma marca conhecida no mercado de suplementos,
que decidiu expandir seu alcance criando um espaço físico dedicado aos
corredores e entusiastas da vida saudável.
Localizado próximo ao
Parque do Ibirapuera, um dos principais pontos de treino da cidade, o bar se
propõe a ser um ponto de encontro para quem corre, seja de forma profissional
ou amadora.
No cardápio, os itens já
revelam a proposta do espaço. Smoothies com nomes como “RP”, “Pace Fofoca” e
“Pós-Longão” foram pensados para dialogar com a rotina do público-alvo, ao
mesmo tempo em que oferecem uma experiência nutricionalmente equilibrada.
O local também
comercializa géis de carboidrato e outros produtos funcionais, tudo elaborado
em parceria com nutricionistas. A proposta é clara: demonstrar que é possível
cuidar da performance sem abrir mão da convivência social.
Mais do que um bar, o D
Running Bar foi pensado como um ponto de apoio para quem faz dos treinos parte
da rotina. A marca entende que o atleta moderno não busca apenas desempenho
físico, mas também espaços de socialização alinhados ao seu estilo de vida.
Assim, o bar organiza
eventos, treinos em grupo e palestras, reforçando a noção de comunidade. Em São
Paulo, onde o número de praticantes de corrida cresce a cada ano, a iniciativa
dialoga com um público que já movimenta competições, marcas esportivas e até o
calendário cultural da cidade.
Esse modelo mostra como
bares e restaurantes podem se tornar extensão dos estilos de vida. Ao invés de
apenas vender produtos, o D Running Bar entrega pertencimento. Quem frequenta
sente que está em um lugar que entende suas rotinas, seus desafios e até a
linguagem daquele nicho. Para os clientes, isso significa reconhecimento. Para
o negócio, representa fidelização. Não por acaso, a expectativa é de
faturamento mensal em torno de R$ 30 mil, com planos de expansão para outras
cidades brasileiras.
Quando o nicho surge do
pedal: a experiência do P Cycle
Se em São Paulo o nicho de
corredores ganharam um bar para chamar de seu, em Belo Horizonte a ideia se
desenvolveu a partir da bicicleta. O P.Cycle nasceu como
oficina especializada, mas logo se transformou em ponto de parada e encontro
para ciclistas da região. Diferentemente do D Running Bar, que já surgiu
estruturado a partir de uma marca consolidada, o P.Cycle cresceu de forma
orgânica, ouvindo o público e adaptando o espaço para agradar as pessoas
daquele nicho.
José Francisco F. Pinto,
fundador ao lado da esposa Paula, lembra que o desafio inicial foi imenso.
“Abrimos a lanchonete/bar com muito pouco ou nenhum conhecimento/experiência,
isso certamente foi um grande desafio”, conta. O aprendizado veio da prática e
da observação de quem entrava no espaço. Aos poucos, a oficina foi se tornando
também um lugar de convivência, com mesas, cardápio e um ambiente acolhedor.
O cardápio reflete esse
encontro entre esporte e gastronomia. Para os ciclistas que chegam esfomeados
depois de horas de trilha, há o clássico pão com linguiça alemã acompanhado de
mostarda de jabuticaba. Para quem busca opções mais leves, os sucos funcionais,
como a mistura de açaí, laranja e gengibre, oferecem energia e frescor. O
espaço, mais do que alimentar, cria identidade. “Nosso ambiente foi criado
pelos usuários, começamos bem pequenos e sempre nos mantivemos em crescimento,
acompanhando os desejos dos ciclistas”, explica Francisco.
Assim como em São Paulo, a
proposta do P.Cycle vai além do ato de consumir. O que se forma ali é uma
comunidade ciclista que encontra no bar um ponto de apoio depois de treinos e
passeios. A lógica é semelhante à do D Running Bar: entender que quem adota o
esporte como parte do cotidiano não procura apenas desempenho, mas também
ambientes que dialoguem com essa escolha de vida.
A diferença está na
origem. Enquanto em São Paulo a iniciativa foi planejada de cima para baixo,
com uma marca estudando o mercado e estruturando o espaço, em Belo Horizonte o
movimento surgiu de baixo para cima, da vivência dos clientes. Nos dois casos,
o resultado é o mesmo: pessoas que se sentem compreendidas e representadas.
A força dos negócios de
nicho
Seja no pedal de Belo
Horizonte ou na corrida de São Paulo, bares e restaurantes que se conectam com
públicos específicos mostram a força de um conceito que vem crescendo em todo o
mundo: os negócios de nicho. Em um mercado competitivo, onde a oferta de estabelecimentos
é vasta, criar laços com grupos definidos pode ser mais eficiente do que tentar
agradar a todos.
Além de ciclistas e
corredores, há inúmeros exemplos que se multiplicam pelo país. Bares pet
friendly, que oferecem cardápios para cães e gatos. Cafeterias voltadas para
gamers, com consoles e torneios. Restaurantes que se dedicam a dietas
restritivas, como vegana ou sem glúten. Até espaços que se tornam referência
para comunidades de imigrantes, oferecendo um pedaço de sua cultura e
identidade gastronômica para os componentes de determinado nicho.
O ponto em comum é a
valorização da identidade e do pertencimento. Clientes deixam de ser apenas
consumidores e passam a se enxergar como parte de algo maior, como membros de
uma comunidade. Esse sentimento é poderoso e, quando bem trabalhado, se traduz em
lealdade e recorrência.
Do ponto de vista do
setor, trata-se também de uma oportunidade de diferenciação. Em vez de competir
apenas pelo preço ou pela localização, esses estabelecimentos oferecem algo
intangível: a sensação de estar no lugar certo, com pessoas que compartilham valores
e interesses semelhantes. É nesse aspecto que o nicho se mostra estratégico, já
que permite criar vínculos profundos com grupos específicos.
Essa tendência reflete
mudanças mais amplas no comportamento de consumo. Em uma sociedade conectada,
onde as pessoas se organizam em torno de paixões e estilos de vida, bares e
restaurantes que entendem essas dinâmicas se tornam mais relevantes. O cliente
busca ser reconhecido. Seja como corredor que venceu mais um longão, seja como
ciclista que concluiu uma trilha difícil, seja como amante de pets que quer
sair para jantar sem deixar o cachorro em casa. Para cada um desses perfis,
sempre haverá um nicho esperando para ser explorado.
